Esquizofrenia infantil
Por Sonia Maria Bufarah Tommasi
Desde que a pediatria e a neuropsiquiatria infantil, em seu
progresso científico, consideram a criança como indivíduo e não
como um adulto pequeno, compreende-se que a criança tem
problemas que precisam de cuidados especializados.
Portanto consideramos de especial importância que pais
e educadores tenham conhecimentos gerais sobre psicologia,
psiquiatria e medicina infantil, pois um diagnóstico precoce pode
evitar muitos transtornos futuros.
A esquizofrenia infantil não é um assunto que permeia as
notícias da mídia, e também não faz parte do conhecimento
cotidiano familiar e social. A falta de informação, por vezes, atrasa
a sua identificação, diagnóstico e tratamento.
Geralmente as novelas trazem à tona problemas de ordem social,
moral, ética, religiosa e outros. Na novela Caminho das Índias, da
rede Globo, entre outros assuntos a esquizofrenia se destaca em
dois personagens: Ademir e Tarso. Ademir (ator Sdney Santiago)
tem a doença sob controle medicamentoso e terapêutico. Tarso
(ator Bruno Gagliasso) está iniciando as manifestações, que não são
aceitas pela família. O preconceito familiar em consultar o psiquiatra
favorece que a doença se agrave a cada dia. Os dois personagens
são inteligentes: Ademir tem facilidades de aprendizagem para
música e dança, e Tarso para literatura, demonstrando desta forma
que o processo de aprendizagem ocorreu e ocorre, que a memória
existe e que os processos criativos estão ativos.
Quando o assunto são as doenças mentais, automaticamente
surgem o preconceito e a discriminação, os quais contribuem para
perpetuar o rótulo de louco, tendo como consequência a exclusão social.
Dentro do estigma da loucura, até o profissional médico psiquiatra faz
parte da exclusão social, por ser ele o último a ser consultado.
História e definição
Esquizofrenia é um termo de origem grega e significa “mente
dividida”, referindo-se ao desarranjo dos processos de sensações e
de raciocínio do indivíduo.
Historicamente, a incidência da esquizofrenia infantil era considerada rara. Durante séculos, as psicoses infantis foram ignoradas
e negadas. A ciência tenta responder as questões inquietantes do ser
humano. “Por que eu?”, “Por que meu filho (a)?”
A ciência ainda não tem explicação porque este ou aquele
indivíduo desenvolve a esquizofrenia. Algumas pesquisas
concluíram que a hereditariedade é um fator etiológico importante.
As chances de desenvolver a esquizofrenia são maiores em graus de
parentescos bem próximos.
Antes de 1900, o pensamento científico não estava desenvolvido
da forma que conhecemos hoje. Os comportamentos estranhos
eram explicados por possessões diabólicas e bruxarias, tendo como
reação social aos enfermos mentais o encarceramento em jaulas,
ou colocados para fora da cidade abandonados a própria sorte. Este
tipo de reação também ocorria com as crianças.
As investigações empíricas sobre os distúrbios mentais em
crianças iniciaram efetivamente antes da Segunda Guerra Mundial.
Alguns autores preocuparam-se em observar os transtornos
psiquiátricos infantis, tendo como base os sintomas manifestos pelos
adultos. Autores como Melaine Klein, Ana Freud, Margareth Mahler e
Winnicott focaram atenção exclusivamente sobre os comportamentos
da criança. Portanto, os estudos sobre psicose infantil são recentes,
mobilizando o campo da psiquiatria infantil no mundo todo.
Em 1960, um grupo de psiquiatras britânicos elaborou critérios
para o diagnóstico da psicose em crianças, focando o pensar
científico em alguns itens, tais como:
- observaram se o relacionamento social estava prejudicado,
- se ocorria confusão de identidade pessoal e inconsciência do eu,
- preocupação anormal com alguns objetos,- resistência a mudanças no ambiente,
- diminuição ou aumento de sensibilidade aos estímulos sensoriais,
- reação de ansiedade excessiva,
- perturbação da linguagem e da fala,
- perturbações da motilidade (hiper ou hipoatividade),
- desempenho assimétrico nos testes de inteligência com área
de funcionamento normal a superior,
- intercaladas com áreas de atraso no desenvolvimento intelectual.
A partir destas observações definiu-se a psicose infantil. Em
1970, Ajuriaguerra, na 1ª edição do Manual de Psiquiatria Infantil,
definiu a psicose infantil como um transtorno de personalidade
dependente de um transtorno da organização do eu e da relação
da criança com o meio ambiente.
Em uma visão psicodinâmica a psicose seria uma desorganização da
personalidade podendo então ser compreendida como uma confusão
entre o mundo imaginário e perceptivo na ausência do Ego, estrutura
limitante entre esses dois mundos. Tradicionalmente o termo psicose
foi definido como um distúrbio no sentido da realidade.
Para o psiquiatra Grünspun (1978, p.290) “a esquizofrenia
infantil é um distúrbio grave da personalidade em que as funções do
ego são perturbadas, destruídas ou não desenvolvidas. As funções
do ego podem ser totalmente extintas num quadro severo de
psicose, ou pode haver funções residuais de ego em esquizofrenias
menos graves. A perda das funções equivale à perda do ego”.
Com a perda das funções do ego, a criança fica incapaz de se
relacionar com o mundo externo e na tentativa de qualquer adaptação,
o mundo interno se torna intensamente perturbado e conflitado.
Quando ocorre a esquizofrenia precoce, em crianças abaixo de quatro anos, a personalidade fica ameaçada, ou seja, tem-se o risco
de perda total das funções do ego, com a perda de identidade como
ser humano vivo.
A esquizofrenia está entre as doenças mentais que mais acarreta
prejuízo. É um distúrbio do psiquismo e da personalidade que se
manifesta com a consciência lúcida, caracterizado por diversas alterações
nas experiências psíquicas nos padrões de pensamento e humor.
Sintomas
Em linhas gerais, o sintoma mais evidente é a diminuição dos
interesses pelas coisas do cotidiano, da vida diária. A criança não
tem interesse pelos brinquedos que mais gosta, fica indiferente
diante dos pais, familiares e amigos, se estiver na escola perde o
interesse para com os deveres e materiais escolares.
Geralmente a família nota a mudança de comportamento, a
criança deixa de se comportar dentro do que é considerado normal,
mas como não tem conhecimento de psicopatologias qualifica a
conduta como “esquisita”, “estranha”, “bizarra”, ao mesmo tempo em
que tenta entender, dentro de seus limites, o que está acontecendo.
No inicio dos sintomas a criança apresenta extrema ansiedade,
ou então pânico. De um momento para outro cai em crises de
birra violentas, com movimentos bizarros, maneirismos. Ocorrem
mudanças de comportamentos de hipoatividade para hiperatividade.
Há o aumento do comportamento agressivo do tipo impulsivo e
destrutivo, tanto para com os outros quanto para consigo. Passa a
armazenar objetos sem valor, que se tornam verdadeiros tesouros e
não podem ser tocados (por exemplo, rolinhos de papel higiênico).
A conduta da criança pode ser muito variada, mas como é
diferente da realidade exterior chama a atenção. Por exemplo,
em relação à alimentação: a criança para de se alimentar, deixa
de ter interesse pelo seu alimento favorito, ignora as guloseimas,
chocolates e doces, como se eles não estivessem ali, à sua frente.
O sintoma mais fácil de identificar o comportamento
esquizofrênico se manifesta na alteração da linguagem. A criança
para de falar de um momento para outro. Por vezes cria uma
linguagem própria, com uso excessivo de neologismos, de difícil
compreensão. Ou conversa com as vozes que ouve, travando um
diálogo incompreensível. Algumas crianças apresentam quadro de
ecolalia, são respostas em eco. Ou verbigeração, que é a repetição
de palavras. A partir dos quatro anos de idade a criança já usa a
primeira pessoa para se expressar. Nos casos de esquizofrenia a
criança continua a usar sistematicamente a terceira pessoa. Em
crianças mais velhas ocorre a inversão pronominal, a criança se refere a ela mesma utilizando-se da terceira pessoa do singular
ou do seu nome próprio. Na produção da fala as alterações são
marcantes e peculiares quanto à altura, ritmo e modulação.
A criança passa a ter interesse por problemas abstratos, por
exemplo, quer saber sobre a origem do universo, do espaço. Outras
têm sensações no corpo, sentem que o corpo se transforma em animal.
Algumas descrevem máquinas imaginárias que estão dentro de casa.
Sabemos que o imaginário da criança é fértil. Porém, no caso da
esquizofrenia, ela acredita que suas fantasias são reais, o imaginário
se fundiu com a realidade, não ocorre diferenciação. Ela está
vivenciando intensamente a fantasia, ficando incapaz de fazer um
juízo crítico a respeito da situação e das próprias ideias. Observa-se
que há inadaptação ao real e há fuga da realidade.
Em sua maioria as preocupações abstratas são de caráter
obsessivo. E ao serem contrariadas, contestadas, imediatamente o
comportamento se torna agitado extrapolando o normal. Quando
as obsessões são satisfeitas não ocorre a agitação.
Segundo Grünspun (1978, p.290) “isso se dá porque o indivíduo
começa a perder o contato com o mundo real e passa a viver num
mundo subjetivo, que leva a um retraimento. Vivendo suas fantasias,
não reconhece mais as realidades objetivas, exteriorizando-as
através de símbolos”.
A atenção e a concentração também estão comprometidas.
Ocorre a fixação de certos interesses e ausência ou diminuição
da atenção espontânea. A atenção exterior não é efetiva, e a
concentração não existe.
A memória apresenta-se bem afetada, pois está ligada ao
mundo imaginário da criança. A memória às vezes registra uma
sequência, ou um desenho que será repetido muitas e muitas vezes.
Por exemplo, um jogo de cubos coloridos: ela repete a sequência
das cores, uma semana, um mês, um ano depois, como se a
sequência ficasse impressa em sua memória de tal forma que não
cabe nenhuma alternativa.
No campo da afetividade observa-se rigidez das disposições
afetivas, a criança reage de forma diferente do esperado, seu comportamento é contraditório diante de determinadas situações.
Sem motivo aparente tem crises de choro, riso, raiva. Por exemplo:
quando acariciada sente dor. Demonstra acentuada violência nas
reações de angústia ou defesa.
Tratamentos: psiquiátricos, psicológicos e arteterapêuticos
Não é nossa intenção neste artigo discorrer com profundidade
sobre os tratamentos, e sim informar ao educador resumidamente
alguns procedimentos.
Creio ser de suma importância afirmar que a participação da
escola e do educador de forma amorosa e compreensiva poderá
evitar a desagregação total do ego da criança. O espaço educacional
faz parte da formação global dos indivíduos e da atuação dos
mesmos na sociedade como cidadãos e como profissionais.
O sucesso de um tratamento às vezes está nas mãos dos pais
e de educadores. Parece ser lógico e fácil, mas não o é. Comunicar
aos pais que o seu (sua) filho (a) modificou o comportamento e está
agindo de forma estranha, gera animosidade e ao mesmo tempo
desconfiança dos pais em relação ao educador.
Recomendar que consultem um profissional da saúde, o psiquiatra
neste caso, gera um turbilhão de emoções incontroláveis nos pais, que
têm como comportamento final a rejeição da informação.
Vencer as barreiras do pré-conceito não é nada fácil.
Portanto, o médico psiquiatra é de suma importância para
a avaliação e diagnóstico. Somente o psiquiatra infantil pode
diagnosticar com precisão a esquizofrenia infantil e prescrever os
medicamentos. O psiquiatra é o profissional mais indicado para
explicar e esclarecer o que está acontecendo com a criança, e traçar
uma linha de conduta familiar frente à nova situação.
Após a avaliação e o diagnóstico a criança necessita de
acompanhamento psicológico, o qual deve ser feito por um psicólogo
infantil que tenha conhecimentos sobre psicologia infantil e psiquiatria
infantil. Outros profissionais, tais como arteterapeutas, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas, também devem dominar estes
conhecimentos específicos. Não basta ter noções superficiais sobre
o desenvolvimento infantil e das doenças mentais. É essencial que o
profissional seja capaz de compreender a criança em seu mundo.
A família também deve participar de grupos de apoio, terapias de
grupo e individual, para lidar com suas emoções e sentimentos que
surgirão ao longo do caminho. Geralmente ocorrem sentimentos
de raiva, vergonha, culpa e frustração.
O tratamento psicoterápico das psicoses infantis teve início em
1940. Acreditava-se que o processo era irreversível. Atualmente
existem várias posturas psicoterápicas que levam a bons resultados.
A arteterapia tem sido uma forte aliada para o tratamento da
esquizofrenia infantil e de adulto. Por meio da expressão artística
auxilia na reconstituição do ego. Os símbolos manifestos revelam os
medos e angústias que atormentam a mente e ameaçam a perda da
identidade. A expressão artística torna visível o invisível, traz para o
mundo real as imagens que dominam e atormentam a mente.
O acompanhamento psicológico e arteterapêutico auxilia no
reconhecimento e diferenciação do mundo interno do mundo
externo. Quanto mais cedo se iniciar os tratamentos psiquiátricos
e psicológicos mais controle sobre a doença se tem, e menos
possibilidade de desagregação total do ego.
A compreensão da doença por parte dos familiares e educadores
é fundamental para o desenvolvimento da personalidade sadia da
criança. A criança necessita de amor genuíno no ambiente que
a rodeia e aceitação de suas necessidades, pois seu sofrimento
interno é intenso e incompreensível por ela.
A criança portadora de esquizofrenia, em tratamento, pode
ter uma vida normal como todas as outras crianças, frequentar
a escola, passeios, ter uma vida bastante produtiva e ser bem
adaptada socialmente.
Onde buscar auxílio
Existem programas de apoio à família e ao portador de
esquizofrenia. Esses programas visam diminuir o preconceito e o
estigma, possibilitam a inclusão social, favorecem a recuperação e
ampliam as perspectivas da qualidade de vida.
Em São Paulo, na UNIFESP/EPM (Universidade Federal de São
Paulo) há o PROESQ, o Programa de Esquizofrenia, que, em parceria
com a ABRE - Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores
de Esquizofrenia, está lançando um site psicoeducativo e interativo,
baseado em uma série de seis livretos, que abordam a esquizofrenia
desde o seu aparecimento, diagnóstico, tratamento, estigma, família
e recuperação e novas perspectivas. Os livretos estão disponíveis
para download: http://proesq.institucional.ws/psicoeducacao
A ABRE - Associação Brasileira de Familiares, Amigos e
Portadores de Esquizofrenia, é uma associação de âmbito nacional.
Sua missão é melhorar a qualidade de vida dos familiares e das
pessoas que são afetadas pela esquizofrenia. A ABRE luta pelos
direitos e procura eliminar o estigma e a discriminação da doença
na coletividade. www.abrebrasil.org.br
Os serviços públicos também oferecem tratamentos psiquiátricos
e espaços para apoio aos familiares, com grupos de psicoeducação,
arteterapêuticos, orientação e/ou terapia comunitária. Nos
últimos anos cresceu o número de associações e ONGs que
oferecem equipe multidisciplinar e espaços comunitários para a
família e para o portador de esquizofrenia.
Referências bibliográficas
AJURIAGUERRA, J. MARCELLI, D. Manual de Psicopatologia Infantil. 2ª ed.
Porto Alegre: Artes Médicas. 1991.
GAUDERER, C. Autismo e outros atrasos do desenvolvimento. 2a. ed.
Revinter: Rio de Janeiro. 1997.
GRUNSPUN, H. Crianças e adolescentes. São Paulo: Atheneu. 1999.
LOUZÃ NETO, M . R . Esquizofrenia in: Revista Brasileira de Medicina. Vol. 55
n. 3. Março. 1998. p. 84 – 96.
MAZET, F. LEBOVICI, S. et al. Autismo e psicose infantil. Porto Alegre: Artes
Médicas. 1991.
McDERMOTT. Tratado de medicina interna 14a. Vol. Interamericana: Rio de
Janeiro. 1977.
MOREIRA , M. S. Esquizofrenia infantil. Rio de Janeiro: Epume, 1986.
TOMMASI, S, M. B. Arte-Terapia e Loucura. São Paulo, Vetor, 2005
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